sábado, 19 de outubro de 2013

O tempo.

O tempo não fala demais, o tempo fala o suficiente. Todas as coisas boas e ruins que estouram em nossa frente, em nosso longo processo de aprendizagem, são estabelecidas e cumpridas na medida em que o tempo vai. A vida não é um jogo em que você entra na expectativa da vitória, pois com a vida não se joga. Com a vida, a vitória só vem diante de suas boas ações. E me refiro ao interior, ao âmago do espírito humano. Mas o tempo vai deixar claro que as más ações existem, e vão existir sempre. E o tempo vai dizer para você esperar um pouco mais, vai dizer que ainda não há sinal verde para atravessar, e você vai assistir por tudo ao redor e não poder fazer nada. Apenas espere. Alguém estará lá por você. 
O tempo fala o suficiente. O suficiente para não enlouquecer, para não ultrapassar limites, não perder a razão, não abraçar a humilhação, não chorar em vão. Ele fala, ele grita, ele implora para você esperar.  Mas não escutamos. Esse tempo já foi. Nunca conte com o "para sempre", pois ainda há "o tempo destrói tudo". Não desista, batalhe. Preocupe-se apenas com a batalha.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Berenice, 1835.


A desgraça é variada. O infortúnio da terra é multiforme. Estendendo-se pelo vasto horizonte, como o arco-íris, suas cores são como as dele, variadas, distintas e, contudo, intimamente misturadas. Estendendo-se pelo vasto horizonte como o arco-íris! Como é que, da beleza, derivei eu um exemplo de feiúra? Da aliança da paz, um símile de tristeza? Mas é que, assim como, na ética, o mal é uma conseqüência do bem, da alegria nasce, na realidade, a tristeza. Ou a lembrança da felicidade passada é a angustia de hoje, ou as agonias que existem agora têm sua origem nos êxtases que podiam ter existido. [...] 

Poe.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Austen.



A permanência num lugar em que tudo lhes fazia lembrar a antiga felicidade era exatamente o que convinha à sua alma. Em tempos de alegria, nenhum temperamento podia ser mais alegre do que o dela, ou possuir em maior grau essa otimista expectativa de felicidade que é a própria felicidade. Mas no sofrimento ela era igualmente levada pela imaginação. E para tão além da consolação quanto no prazer estava além de toda moderação.

Razão e Sensibilidade.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Lá vem a cidade.

Vi a cidade passando, rugindo, através de mim. Cada vida era uma batida dum imenso tamborim. Eu era o lugar, ela era a viagem. Cada um era real, cada outro era miragem. Eu era transparente, era gigante. Eu era a cruza entre o sempre e o instante. Letras misturadas com metal, e a cidade crescia como um animal. Em estruturas postiças, sobre areias movediças, sobre ossadas e carniças, sobre o pântano que cobre o sambaqui. Sobre o país ancestral, sobre a folha do jornal, sobre a cama de casal onde eu venci. 

A cidade passou me lavrando todo. A cidade chegou, me passou no rodo. Passou como um caminhão passa através de um segundo quando desce a ladeira na banguela. Veio com luzes e sons, com sonhos maus, sonhos bons. Falava como um camões, gemia feito pantera. Ela era Bela, fera. 

Desta cidade um dia só restará o vento que levou meu verso embora. Mas onde ele estiver, ela estará: Um será o mundo de dentro, será o outro o mundo de fora. 

Vi a cidade fervendo na emulsão da retina. Crepitar de vida ardendo, mariposa e lamparina. A cidade ensurdecia, rugia como um incêndio, era veneno e vacina. 
Eu pairava no ar, e olhava a cidade passando veloz lá embaixo de mim. Eram dez milhões de mentes, dez milhões de inconscientes. Se misturam, viram entes, os quais conduzem as gentes como se fossem correntes dum rio que não tem fim. 
Esse ruído são os séculos pingando, e as cidades crescendo e se cruzando como círculos na água da lagoa. E eu vi nuvens de poeira, e vi uma tribo inteira fugindo em toda carreira, pisando em roça e fogueira, ganhando uma ribanceira. 
E a cidade vinha vindo, a cidade vinha andando, a cidade intumescendo: Crescendo, se aproximando. 

Eu vim plantar meu castelo naquela serra de lá, onde daqui a cem anos vai ser uma beira-mar.

Lenine.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Em silêncio.

Gastei muito tempo pensando em um verso, uma frase, um poema, até uma rima, quem sabe? Mas meus dedos não querem escrever. 
É aqui, bem aqui dentro que ele se esconde sereno, que ele se esconde turbulento, que ele se esconde vivo. Bem aqui dentro. 
Gastei tempo demais tagarelando palavras perdidas em mente, de onde elas jamais pensariam em sair. Criaram raízes, criaram vida, criaram intensidade. 
É, meu parceiro, falo de algo que não se fala e que não se explica; Quem o consegue fazer, não o conhece. O amor silencia. 

A grande razão, meu parceiro, é que a minha razão está no viver com a sua companhia. É única a vez em que o companheirismo bate à porta, desarmado. O privilégio de poder vislumbrar esse acontecimento me foi dado. Serei uma pessoa eternamente grata, mesmo em silêncio.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013


[...] E quando sinto que teus braços se cruzaram em minhas costas,
desaparecem as palavras, outros sons enchem o espaço.
Você me abraça, a noite passa.

 E, me deixas louca.

sábado, 24 de novembro de 2012

Diálogo na Sombra.


A . — Quisera saber como és feito por dentro … Como é a tua vontade por dentro, que coisas há naquela parte do teu sentir que tu não medes que sentes.  

E . — Tão feminina nisso … E és da matéria das coisas irreais!

A . — Quando levantas um braço eu queria saber porque coisas do além, tu levantas esse braço … O que há por detrás de o tu quereres levantar e de saberes porque o queres levantar? Vim contigo há tanto e não sei quem tu és… Reparo às vezes nos pequenos gestos que fazes e vejo quão pouco sei de ti …

E . — Eu próprio não sei quem eu sou … Meus gestos são entes estranhos quando reparo neles, e sombras incertas quando não reparo. São uma perpétua revelação a mim próprio. Sou tão exterior a conhecer‑me como o mundo externo … Entre o meu querer erguer um braço e ele erguer‑se vai um intervalo divino … Transponho, entre pensar e falar, um abismo sem fundo humano.

A . — Eu sou simples como uma pedra no caminho ou uma rosa numa roseira.

E . — És simples porque não te espelhas em ti. Uma pedra no caminho é (atónita) um mistério igual a Deus … Uma rosa numa roseira é tão compreensível como a Vida …

A . — Olho‑te e amo‑te e não te possuo nunca. Floriram em (…) as rosas do meu jardim … Acompanho‑te e perco‑te sempre que olho para ti.

E . — Eu próprio não me acompanho … como poderás tu acompanhar‑me? Vejo meus pés andar como quem vê passar um cortejo humano nas distâncias e na noite … Reparo na minha sombra como numa face desconhecida que espreitou de fora à janela da minha moradia … Não compreendo nada … Não compreendo nada.

A . — Mas há coisas que tu compreendes e que nunca me confessas. Falas‑me dos teus amores e dos teus desejos mas eu sinto que guardas para ti, fechada na mão, uma jóia qualquer do teu sentimento. Porquê se eu te amo e se somos um só?

E . — Porque nunca somos um só. Aquilo que eu não te digo, apesar de habitarmos juntos este palácio e juntos pensarmos neste jardim. Segredo‑o a mim quando estou mais só e nem ergo a voz, para que me não ouça não sei quem que me não pode ouvir.

A . — Sou a tua Alma e a mim‑próprio não me contas tudo! Passou ontem uma brisa leve pelo jardim. Trouxe perfumes de outros jardins […]

Fernando Pessoa (1914)

domingo, 7 de outubro de 2012

"Esvaziem o oceano e varram as florestas".


O verão passou. A cidade continua com a mesma cara de anos atrás, mas não a dela. Obteve, com o passar do tempo, as mais variadas faces possíveis. Deu à face o tapa, o murro, o beijo, o carinho, o amor e o ódio. Deu ao tempo um real de amor sem pedir troco. Deixou ir. Assistiu primavera, verão, outono e inverno de camarote e pôde sorrir, chorar, duvidar, questionar, esperançar e desacreditar. Deixou-se esvaziar com o “Não sei...” da vida, mas com as vitórias pode contar, e com as derrotas, pode reconstruir o seu interior perfeito. 

A chuva cessou. Ainda há Sol para chegar e muitas mentiras para escutar, pois seus maiores demônios andam lado a lado com o bem. Acredite, é a cicatriz que você esconde que alimenta a força dentro de você. 

Dizem por aí que a vida ensina, mas todos sabem que só aprende que tem força. E a força, meu caro, muitas vezes, é solitária.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

(...)


“De todos os animais, o homem é o único que é cruel. 
É o único que inflinge dor pelo prazer de fazê-lo. 

Mark Twain

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Nas voltas do meu coração.

"Tem dias que a gente se sente
como quem partiu ou morreu.
A gente estancou de repente,
ou foi o mundo então que cresceu?

A gente quer ter voz ativa,
no nosso destino mandar.
Mas eis que chega a roda viva
e carrega o destino prá lá."

domingo, 15 de julho de 2012

Sem título.

Descrever cenas, pensamentos, sentimentos, é trabalho árduo quando não se tem espaço. Espaço presenteado, digo. Quando se tem pouca idade, um simples berreiro resolve muita coisa. Claro, ainda vai depender da criação e atenção dadas, que por vezes não é tão grande assim, e você acaba por abrir o berreiro por horas, cansando, e caindo no sono.

Engraçado é reparar que as coisas não mudam. As pessoas não mudam. As discussões não mudam, e tão pouco as palavras mudam. E a gente cansa. O cachorro vai latir a vida toda. Você vai cansar de falar e pedir silêncio, pedir paz. Ele vai continuar latindo e latindo, te olhando com aquela cara de deboche.

Um teste de paciência. Um teste de paciência anulado.

A vida faz de alguém o que ela quiser. Basta um tapa na cara e um amontoado de aprendizados e experiências para que se torne alguém. Ou, muitas vezes, algo. Pois não é sempre que pessoas se tornam pessoas de verdade. E as que ainda são de verdade, são, todos os dias, colocadas em prova. Duvidando de seu caráter, de seus princípios. Duvidando do que realmente era certo. E aí, meu amigo, é só ruína. E as palavras confortadoras se tornam tão mais distantes a cada dia.

Faz falta a leveza de tudo. Hoje em dia, quem escreve, seus males espanta. E só.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

E disse o Corvo: "Nunca mais".


[...] Diversa coisa não dizia, ali pousada, a ave sombria,
com a alma inteira a se espelhar naquelas sílabas fatais.
Murmuro, então, vendo-a serena e nem mover uma só pena,
enquanto a mágoa me envenena: "Amigos... sempre vão-se embora.
Como a esperança, ao vir a aurora, ELE também há de ir-se embora".
E disse o Corvo: "Nunca mais".

Vara o silêncio, com tal nexo, essa resposta que, perplexo, 
julgo: "É só isso o que ele diz; duas palavras sempre iguais.
Soube-as de um dono a quem tortura uma implacável desventura
e a quem, repleto de amargura, apenas resta um ritornelo
de seu cantor; do morto anelo, um epitáfio: o ritornelo
de 'Nunca, nunca, nunca mais' ". [...]

 

O Corvo

terça-feira, 22 de maio de 2012

(...)


"I've waited a hundred years. But I'd wait a million more for you.
... Nothing prepared me for what the privilege of being yours. (...)

(...) If I had only felt how it feels to be yours, I would have known what I've been living for all along... What I've been living for."