domingo, 6 de fevereiro de 2011

Transparência.

"Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca, porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe seja linda, ainda que tristeza. Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada, mesmo que distante... Porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos... Porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço. Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada... Porque metade de mim é o que eu penso, mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância... Por que metade de mim é a lembrança do que fui, mas a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito, e que o teu silêncio me fale cada vez mais... Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba, e que ninguém a tente complicar, porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer... Porque metade de mim é platéia, e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada... Porque metade de mim é amor, e a outra metade também."

Metade,
Oswaldo Montenegro.